BREVE ENSAIO SOBRE A GEOLOGIA
DA PROVINCIA DE TIMOR
DA PROVINCIA DE TIMOR
por
J. C. DE AZEREDO LEME (1)
(1) Geólogo da Missão de Estudos Agronómicos do Ultramar.
Adaptação para texto de Pedro Nogueira Janeiro de 2010
7. ESTRATIGRAFIA
Há muito que é conhecida a existência, em Timor, de formações carreadas, sobrepostas a terrenos mais modernos. Consideram-se duas unidades tectónicas e estratigráficas fundamentais: o Sistema autóctone ou substrato profundo, constituído por todas as formações aparentemente in situ , e o Sistema carreado ou manto de carreamento.
Sobre a extensão e número das formações carreadas de Timor, não tem havido unanimidade de opinião entre os autores. Primiti¬vamente, supôs-se a 'existência de uma só, a Série de Maubisse, do Pérmico. GAGEONNET & LEMOINE (1958) admitiram, depois, haver cinco formações, de idades compreendidas entre o Antepérmico e o Miocénico, distribuídas por várias fases tectónicas.
A tendência actual, apoiada, supomos, em mais precisa obser¬vação, apresenta-se em absoluto desacordo com a última hipótese e muito mais próxima da primeira. Só a Série metamórfica de Díli e a Série de Maubisse seriam carreadas.
Nos capítulos que se seguem, embora de modo bastante sucinto, apresenta-se a sequência estratigráfica tal como hoje é interpretada e que teve como maiores defensores e impulsionadores os geólogos FREYTAG e M. AUDLEY-CHARLES.
Ambas as unidades estratigráficas serão estudadas separada¬mente, por não estar ainda: bem esclarecida a altura da instalação do Sistema carreado, nem o seu lugar exacto na coluna estratigráfica.
No Autóctone, que trataremos em primeiro lugar, incluiremos, também, o Neo-autóctone, isto é, o conjunto das formações posteriores ao carreamento.
7.1. Sistema autóctone
7.1.1. Formação de Lolotoi
As rochas mais antigas que se conhecem em Timor, em posição autóctone, julga-se hoje que são anteriores ao Pérmico. Designadas, no conjunto, por Formação de Lolotoi (AUDLEY-CHARLES, 1961), constituem uma série espessa de sedimentos muito dobrados, sem fósseis, afectados por metamorfismo regional de grau variável. Incluem numerosas intrusões ígneas, também metamorfizadas, e muitos veios e filões de quartzo. As rochas mais comuns, segundo aquele autor, são micaxistos, gnaisses, anfibólitos, filitos, gabros, dioritos, granodioritos, piroxenitos, alguns afloramentos de rochas ultrabásicas, de calcários cristalinos, etc.
Esta formação existe em seis localidades distintas, originando formas de relevo importantes: nas montanhas de Lolotoi, a sul da montanha Cablac, no grande maciço de Diatuto-Manufai, em duas manchas próximas de Barique e nas montanhas de Lacluta. Segundo o mesmo autor estes afloramentos parecem apresentar estrutura em patamar ou “horst”, pois, além de ocuparem posição topográfica elevada, contactam geralmente por falha com as outras formações. É por este facto que se presume o seu carácter autóctone.
Tendo sido identificada muito recentemente, a Formação de Lolotoi está ainda bastante mal estudada, sobretudo no que se refere a estratigrafia, tectónica e relações com as formações que com ela contactam.
7.1.2. Série de Cribas
0 Pérmico autóctone que, antes da identificação da Formação de Lolotoi, era considerado, do ponto de vista estratigráfico, o elemento mais baixo observável em Timor, foi reconhecido e descrito pela primeira vez na região de Cribas (HIRSCHI, 1907), onde aflora, constituindo o núcleo de um anticlinal, de eixo E-W, cujos flancos apresentam inclinações em regra suaves, nunca superiores a 400. É atravessado de sul para norte pelas ribeiras Sumasse, Tuquete Acraum, as quais põem a descoberto esplêndidos cortes, que evidenciam não só aquela estrutura, como permitem fazer a estratigrafia fina de toda a Serie de Cribas e estudar a transição desta para os sedimentos mesozóicos suprajacentes.
Estratigraficamente, o Pérmico de Cribas divide-se em duas sub-séries: Cribas inferior e Cribas superior.
A série inferior compreende, na base, 100 m de bancadas espessas de grés quartzíticos, sem fósseis, seguidos de 500 m de xistos argilosos, negros, ricos de nódulos calcários e com algumas intercalações de grés quartziticos e de calcários amarelos, cinzentos ou avermelhados, estes com fauna do Pérmico inferior muito abundante (artículos de crinóides, várias espécies de amonites, ortóceras, corais, lamelibranquios, briozoários, espongiários, trilobites e foraminiferos).
GAGEONNET & LEMOINE (1958) tomaram, embora por convenção, como limite de separação entre a série inferior e a superior, uma soleira contínua de diabase amigdalóide, única rocha eruptiva observada na Série de Cribas.
A série superior é essencialmente argilosa, de tipo flysch, sendo constituída por cerca de 500 m de xistos negros e grés finamente laminados e micáceos e por xistos «borra de vinho». Contém, além de muitos nódulos calcários, raras intercalações de calcários vermelhos, de aspecto semelhante aos da série inferior, mas muito menos fossilíferos, com impressões de Pterinea sp. e crinóides.
A passagem da Série de Cribas para as formações do Triásico não é clara. Faz-se através do flysch, bastante deformado e sem fósseis. Aqueles autores admitem, contudo, que o contacto entre as duas series é discordante, fazendo-se através de uma lacuna correspondente ao Triásico inferior. O topo do Pérmico localizar-se-ia no nível superior de Pterinea e o Triásico teria inicio com o aparecimento de Halobia.
AUDLEY-CHARLES (1960) encontrou, a alguns quilómetros a sudeste de Bobonaro, interceptada pelo vale superior da ribeira Lono Mea e suas tributárias, uma série espessa de sedimentos de tipo flysch que parece preencherem uma estrutura em fossa ou graben muito complicada por dobramentos e fracturas. Por semelhanças litológicas e devido à presença de foraminiferos do Pérmico, o autor atrás citado, paralelisou aquelas rochas com a série superior de Cribas.
GRUNAU (1957) atribuiu também ao Pérmico de Cribas um conjunto de afloramentos, de relevo muito agressivo, que existe no extremo leste, junto ao litoral, a sul do antigo posto de Loiquero. As rochas dominantes são grés quartziticos muitíssimo duros (dispostos em 'bancadas de direcção N70ºW e inclinação 40ºW) e xistos argilo-gresosos, cinzentos ou de cor castanho-arroxeada, também muito dobrados e partidos. Estes xistos incluem muitos nódulos, grandes, quartzo-limoníticos, e forneceram alguns fósseis que confirmam a idade Pérmica.
Na região costeira de Tualo, a sul de Uato Carbau, existe um pequeno afloramento de rochas básicas, no interior do qual fomos encontrar grandes blocos angulosos de rochas tufáceas e de xistos grauvacóides esverdeados, com muitos fósseis de lamelibranquios a que se associam algumas formas primitivas de amonóides e vegetais.
Alguns destes fósseis, citados pela primeira vez por AUDLEY¬-CHARLES (1962), correspondem às espécies Atomodesma exarata Beyrich e Atomodesma variabiie Wanner, segundo a classificação de J. M. DICKINS & S. K. SKWARKO.
A. SERRALHEIRO, que presentemente procede ao estudo da fauna por nós colhida no mesmo local, determinou, a título provisório, mais a espécie Atomodesma mytiloides Dickins.
As três espécies, segundo J. M. DICKINS, indicam o Pérmico inferior.
O afloramento eruptivo de Tualo separa duas manchas de xistos finos, greso-micáceos, nos quais Audley-Charles encontrou, também, algumas formas de Atomodesma, pelo que pertencem ao Pérmico inferior. Presume-se, assim, que os blocos de tufos e de xistos grauvacóides, englobados pelas rochas ígneas, são equivalentes dos xistos vizinhos e foram destacados e envolvidos pelas rochas ígneas. Não são, por conseguinte, necessariamente contemporâneos destas, como Audley-Charles supôs. Por existirem na proximidade e em toda a região entre Barique e Baguia numerosos afloramentos de rochas básicas e intermédias, supostas do Oligocénico (Rochas eruptivas de Barique), atribuímos a esta idade as rochas eruptivas que afloram em Tualo.
Fomos também encontrar lamelibranquios fósseis, muito semelhantes aos de Tualo, numa mancha de xistos esverdeado-escuros que se estende, no leste de Timor, a sul do planalto de Rére. A ocidente, esta mancha contacta, presumivelmente por falha, com o Triásico autóctone e, a nordeste, parece prolongar-se inferiormente aos calcários da montanha Paitehau (Maciços calcários de Tutuala). É possível que esteja ainda em ligação inferior com o afloramento Pérmico de Loiquero.
O carácter autóctone dos sedimentos com Atomodesma, que se encontraram no leste de Timor, não está comprovado, mas tudo o leva a supor, não só devido à sua posição estratigráfica inferior, como pela própria litologia. O Pérmico carreado tem características e litologia algo diferentes, como se verá mais adiante.
7.1.3. Série do Triásico-Jurássico (antiga Série de Mota Bui)
Os sistemas Triásico e Jurássico estão largamente representados na ilha de Timor por série sedimentar muito desenvolvida, contínua, de fácies geossinclinal, com predominância de xistos, margas, calcários e grés. A série mostra, em pormenor, muitas variações litológicas, embora, no conjunto, aparente certa monotonia.
As zonas mais importantes onde existe são: na longa faixa que se estende desde Turiscai a Fato Mea, numa grande mancha que se desenvolve para sul, desde o litoral de Manatuto até Fato Berliu, na região a norte e leste de Quelicai e, no extremo leste da ilha, na grande área de Iliomar e em Tutuala. Existem, ainda, outros pequenos afloramentos dispersos pelo território, como seja a oeste de Loiquero, no monte Laleno, em Aliambata, a sul de Ossú e nas áreas de Same e Suai; no território de Ocússi existem, também, próximo de Oessilo, duas pequenas manchas.
Observações efectuadas nas regiões de Cribas-Pualaca e de Ainaro-Maubisse levaram GAGEONNET & LEMOINE (1958) a estabelecer a seguinte sucessão estratigráfica: a) flysch inferior (1000 m no mí¬nimo), muito pouco fossilífero, provavelmente do Triásico médio; b) série calcária média (800 m), muito fossilífera, com formas de Hatobia, Monotis, Daonella e amonites do Noriano e do Lias; c) flysch superior (2000 m no mínimo) pouco fossilífero, de idade Liásica ou pós-Liásica (1).
As relações estratigráficas entre as três sub-séries são geralmente difíceis de precisar, por não ser nítida a transição entre, elas e por a) e c), além de litologicamente muito semelhantes, serem muito pouco fossilíferas. Por outro lado, complicada deformação tectó¬nica afecta, quase sempre, toda a sucessão.
Ambas as fácies flysch são caracterizadas por alternância de leitos de grés micáceos e de xistos argilo-margosos. Os grés são, em geral, de grão fino, grauvacóides, com cimento calcário, muito duros, de cor acinzentada, por vezes azulada; apresentam-se ora em bancos muito espessos, ora em leitos finos. É comum encontra¬rem-se neles restos de vegetais incarbonizados. Os xistos argilosos tomam cores variadas, dominando o cinzento, amarelo e, arroxeado (fig. 4). Também podem aparecer xistos negros levemente betumi¬nosos.
A série calcária média é caracterizada por bancos de calcário margoso, mais ou menos espessos, interestratificados com xistos e margas, sempre muito dobrados e partidos (fig. 2). Alguns des¬tes calcários são verdadeiras lumachelas (fig. 3), totalmente constituídos por conchas de lamelibranquios dos géneros apontados an¬teriormente; representam uma das características mais notáveis da série calcária média. Além destes fósseis aparecem ainda variadas amonites (Halorites, Arnioceras, Aulacoceras, Perisphinctes, Meeko¬ceras, Dactyloceras, Flemingites, Arcestes, Phylloceras), belemni¬tes, braquiópodes, gastrópodes, etc.
Ao microscópio, os calcários mostram-se de grão fino, com a matriz muito obscurecida por argila; contêm quase sempre abun¬dância de radiolários. Não raramente estes calcários estão im-pregnados de produtos betuminosos e exalam intenso cheiro a petróleo.
O estilo tectónico do Triásico e do Jurássico é dos mais com¬plexos; além de vigoroso dobramento, estes sedimentos foram afec¬tados por numerosas fracturas. Algumas destas provocaram deslocamentos com carreamentos em pequena escala. É possível que tais movimentos sejam consequentes das intensas forças compressivas que acompanharam a instalação do manto de carreamento, após o final do Mesozóico.
Não se conhece a espessura total de toda esta série sedimentar. A tectónica, em extremo irregular, e as variações laterais de fácies impedem ou tornam muito difícil uma estimativa. Devido, porém, massa considerável exposta à superfície, calcula-se que a espes¬sura seja da ordem de 300 m ou mais.
A fácies nerítica a batial, uniforme, e a espessura enorme atin¬gida conjuntamente com a Série de Cribas sugerem que ambas as formações se depositaram numa área geossinclinal subsidente.
(1) Audley-Charles, no seu relatório de 1962, subdivide a Série do Triásico-Jurássico na Formação de Aituto (que corresponde aproximadamente aos sedimentos de idade Triásica e na Formação de Luli (que engloba os sedimentos do Jurássico). Luli aparece na bibliografia como Wailuli (N.T.)
7.1.4. Maciços calcários de Tutuala
Na extremidade oriental de Timor, prolongando-se para sudoeste da vila de Tutuala, surge uma fila de relevos escarpados, mais ou menos isolados uns dos outros, dos quais sobressaem, pela importância, a montanha Paitchau (que se ergue a 1030 m de altitude) e os montes Siracate, Russili e de Tutuala (fig. 9). Representam uma formação, designada por Maciços calcários de Tutuala (LEME, 1962), constituída essencialmente por calcários dolomíticos, de fácies oolítica, de cor cinzenta a cinzento-amarelada, por vezes desprendendo, após percussão, intenso cheiro a SH2; ocasionalmente inclui algumas assentadas de conglomerados calcários.
A estratificação raramente é reconhecível no campo, embora se evidencie bastante bem através da análise estereoscópica das fotografias aéreas: as camadas assumem grande espessura, direcção dominante NE-SW e muito forte inclinação para sudeste, as vezes dispondo-se próximo da vertical.
Numerosas fracturas limitam e interceptam a formação, provocando descontinuidades, rupturas importantes de declive e estruturas em patamar ou horst, de que o monte Russili é um exemplo, pode dizer-se, perfeito.
Os Maciços calcários de Tutuala aparentam repousar, a sudoeste, sobre o Pérmico autóctone e, a norte, contactam lateralmente, quase sempre por falha, com a Série do Triásico-Jurássico. Porém, os contactos entre estas formações raramente são visíveis, quer devido aos enormes depósitos de vertente que os encobrem, quer pela densa vegetação que dificulta os acessos. Observámos apenas duas boas zonas de contacto: uma na base da escarpa de falha, quase vertical, que limita, a oeste, o monte Russili, onde se vêem calcários muitíssimo deformados, da série mesozóica, encostando-se-lhe bruscamente; outra na base da enorme escarpa, também de falha, que limita, a norte, o monte Siracate e que conserva, ainda, fundo estriamento; a ela se encostam xistos argilosos finamente laminados, endurecidos e flectidos para cima. Este, como o outro contacto, denuncia claramente um movimento relativo e contrário sofrido por ambas as formações e permite prever que fenómenos idênticos, de tipo epirogénico, sejam a causa da posição actualmente elevada desta formação.
Quanto à fauna encontrada nos Maciços calcários de Tutuala, pode dizer-se que é rara. Contudo, cerca de 800 m a leste do posto de Tutuala, junto da povoação de Pitilete, descobrimos riquíssimo jazigo fossilífero onde, associados a alguns lamelibranquios e pequenos braquiópodes, aparecem numerosos cefalópodes. Procede-se ainda ao estudo desta fauna, mas podemos mencionar algumas das formas, classificadas por G. Manupella & R. Rocha, em 1964:
Placites polidactilus var. oldhany Mojs.
Didimites tectus Mojs.
Isculites heimi Mojs.
Tornquistites obolinus Mojs.
T. (Protrachyceras) cf. furcatum Muenst.
Traquiceras sp.
Dreponites sp.
Arcestes sp.
Nautilus sp.
Dittmarites sp. '(?).
Este jazigo está localizado em espessas bancadas de calcário pertencentes a um maciço que se prolonga até à vila de Tutuala, localidade onde GRUNAU (1957) assinalou a existência de Lovcinepora, Misolia, Halobia, braquiópodes e restos de corais.
Considerando todo o conjunto faunístico e supondo que os ma¬ciços de Tutuala são de origem e idade idênticas, conclui-se que se formaram durante a segunda metade do Triásico.
Admitindo pois que a formação é daquela idade e, portanto, con¬temporânea da base da série do Triásico-Jurássico, torna-se difícil de explicar que não se tivessem encontrado idênticos depósitos calcários, na posição estratigráfica normal, em outras partes de Timor (no anticlinal de Cribas, por exemplo, onde é visível a série sedimentar quase completa, desde o Pérmico ao Jurássico). Teremos de optar por uma variação lateral de fácies, aliás algumas vezes registada nos sedimentos do Mesozóico, mas nunca observada neste sentido.
Vestígios de corais (que Grunau assinalou junto da vila de Tutuala e na montanha Paitchau), a dominância de fácies oolíticas e de calcários dolomíticos dentro da formação e a sua própria fisiografia levam a admitir que ela, inicialmente, terá correspondido a extensa e espessa franja recifal, contemporânea dos sedimentos inferiores da Série do Triásico-Jurássico. Em face dá maior resistência em relação aos sedimentos vizinhos e superiores, mais plásticos, é possível que, com o concurso de vigorosas forças tangenciais, tivesse sido obrigada a sofrer fracturações e movimentos de tipo epirogénico, dando origem às actuais estruturas.
Depois do que fica dito em relação aos maciços calcários de Tutuala, parece insustentável a hipótese, formulada por alguns autores (GAGEONNET, LEMOINE, GRUNAU), que os consideraram como relíquias de erosão de antigo manto de carreamento.
Há ainda outro grupo de maciços calcários (que não tivemos oportunidade de visitar) situados no centro do Timor português, na região de Pualaca. Embora se lhes tenha atribuído também origem carreada, as descrições que se conhecem e que indicam a presença de fósseis de corais, braquiópodes e algas, de idade Triásica (GRUNAU,1957; GAGEONNET & LEMOINE, 1958), e ainda o facto de estarem em saliência e rodeados pelo Triásico autóctone, é de crer que constituam formação idêntica à de Tutuala. Por essas razões, e meramente a título provisório, os incluímos no nosso esboço geológico sob a mesma rubrica.
7.1.5. Formação de Baguia
Ao deixar a vila de Baguia, pela estrada que se dirige a Laga, atravessa-se uma formação de características muito particulares. É constituída por rochas geralmente compactas e muito duras, de textura finíssima, de cor verde-clara, passando a tons esbranquiça¬dos quando alteradas. Estas rochas constituem maciços recortados por numerosas diaclases, observando-se em alguns locais verdadeira estratificação. Formam uma mancha estreita, alongada no sentido nordeste, que desaparece, do lado ocidental, por baixo dos Calcários de Fato da serra de Mata Bia. Imediatamente a sul de Baguia a formação contacta bruscamente com rochas eruptivas, supostas do Oligocénico, tomando por esse motivo maior compacidade, dureza e um tom verde-escuro.
Só ao microscópio e por análise química foi possível determinar a verdadeira natureza destas rochas: são grauvaques de estrutura muito fina, apresentando abundância de clastos angulosos de quartzo, feldspato, clorite e outros minerais, disseminados numa matriz essencialmente clorítica, com bastante calcite e muito obscurecida por argila.
Apenas um exemplar, proveniente precisamente da proximidade do contacto com as rochas eruptivas, mostrou vestígios orgânicos, representados por diatomáceas do tipo Pennales e outros organismos, inclassificáveis, de muito pequenas dimensões.
Rochas verdes do mesmo tipo se encontram, também, junto dos Calcários de Fato da região entre Viqueque e Venilale, nomeadamente na base das montanhas de Builó, Laretame, Ariana e Mundo Perdido, em frequente associação com rochas eruptivas.
No prolongamento sul da serra de Mata Bia, maciço montanhoso de Uato Ruso, as rochas tomam cor pardacenta e aspecto mais grosseiro, distinguindo-se, perfeitamente, apesar de muito alteradas, a constituição greso-micácea. Esta última região foi, porém, bastante mal reconhecida, sendo possível que ali se incluam rochas pertencentes a outras formações.
A ausência quase completa de fósseis e a própria natureza dos terrenos, de que não conhecemos equivalente, sequer aproximado, em outras regiões de Timor, não permite tirar conclusões seguras sobre a idade e origem desta formação.
Há, porém, um elemento de muito interesse que poderá auxiliar a resolver o problema: a presença de diatomáceas.
Ora os fósseis mais antigos que se conhecem destas algas sabe-se que remontam ao Liásico. Este facto excluirá portanto a hipótese de a Formação de Baguia poder pertencer, embora sob fácies diferente, A série Pérmica de Cribas, como à primeira vista podíamos ser levados a admitir, fazendo antes crer se trate de um equivalente lateral do Jurássico autóctone .
Terão as rochas xisto-gresosas do Jurássico variado simplesmente de fácies ou sofrido, naquelas regiões, modificações, ainda que ligeiras, de carácter metamórfico em relação com erupções ou fortes acções tectónicas? Só após novas observações de campo e uma pesquisa aturada de fósseis se poderão vir a esclarecer, no futuro, as dúvidas postas.
7.1.6. Cretácico
Após lacuna provável, correspondente ao Jurássico superior e à primeira parte do Cretácico, depara-se com o Cretácico médio e superior, o qual é visível apenas em três regiões do litoral sul (Be¬tano, Uato Lar e Iliomar) e numa pequena mancha a leste de Baucau, junto à foz da ribeira Seiçal.
O Cretácico inicia-se por leitos bem estratificados de porcelanitos, radiolaritos e chertes, contendo, ainda, intercalações de grés, de liditos e de argilas castanhas. Estas rochas estão com frequência impregnadas de manganês; só raramente dão efervescência com o ácido. A cor é normalmente rosada a branca, podendo variar para tons castanhos, avermelhados ou negros. O conjunto está sempre muito dobrado e fracturado (fig. 5). Ao microscópio mostram abundância de radiolários, assim como de Globotruncana e outros foraminiferos, formas estas sempre silicificadas e dispersas numa pasta microgranular siliciosa. Estes sedimentos de base devem corresponder ao Cretácico médio e ocupam uma mancha bastante extensa a nordeste de Betano e outra situada a leste de Baucau.
Subindo na série, as rochas vão deixando de ser exclusivamente siliciosas ou argilo-siliciosas, para dar lugar aos chamados Calcários de Borolalo. Estes, representados apenas por diminutos afloramentos na mancha de Betano, formam importantes saliências de relevo a sudeste de Uato Lar e em Iliomar. Nestas duas regiões falta o Cretácico médio e os calcários assentam, directamente, por contacto anormal, sobre o Triásico ou o Jurássico.
As rochas de Borolalo são calcários de Giobotruncana, compactos, em bancadas espessas, mal estratificadas e cortadas por numerosas fracturas, de direcção dominante NW-SE e NE-SW. Em amostra de mão têm cor rosada, com núcleos ou zonas castanhas chertizadas; são atravessadas por numerosas microfacturas sinuosas (estrutura estilolitica), preenchidas por calcite ou argila cor de chocolate, o que imprime a estes calcários aspecto amarfanhado (TEIXEIRA, 1952) característico. Esta estrutura resultou da acção de fortes pressões, que provocaram, nuns sítios o engrossamento, noutros estiramento e microdobramento das camadas, com esmagamento e posterior recristalização das rochas.
Entre os macrofósseis encontrados nos calcários de Borolalo cita-se Inoceramus, que permite colocá-los, na maior parte, no Cretácico superior; parece manter-se ainda a mesma associação microfaunistica apontada para os sedimentos da base do Cretácico timorense.
Testemunhos de sondagem de prospecção de petróleo, efectuada próximo de Aliambata, revelaram a existência de Globorotalia no topo dos Calcários de Borolalo, o que os faz ascender, possivelmente, ao Paleocénico (AUDLEY-CHARLES, 1962).
7.1.7. Formação de Dartolú (antiga Série de Same)
0 Eocénico está também muito pouco representado em Timor. Conhecem-se só três pequenos afloramentos, bastante distanciados entre si: o maior está situado próximo da fronteira a acompanhar pelo sul a montanha de Taroman e repousando sobre a formação metamórfica de Lolotoi; outro fica 3 km a nordeste da vila de Same, assente sobre o Jurássico (?); existe outro afloramento, de exíguas dimensões, a alguns quilómetros a sudoeste de Barique, que repousa também sobre a Formação de Lolotoi. Os contactos, quer inferiores, quer com as formações que, no primeiro daqueles afloramentos, lhe estão superiores (Rochas eruptivas de Barique e Calcários de Fato), são discordantes.
A formação compõe-se, essencialmente, de calcários numulíticos, maciços, duros, de cor acinzentada, e de grés calcários, aos quais se associam argilas castanhas, tufos, conglomerados e brechas vulcanicas, com foraminiferos e corais. Por vezes aparecem, ainda, rochas siliciosas e radiolaritos castanhos.
Entre os microfósseis identificados citam-se várias espécies de Numulites, Alveolina, Pellatispira, Globorotalia, etc. Encontraram-se também alguns equinóides. Podem existir, ainda, formas supostas derivadas da erosão do Cretácico, nomeadamente Globotruncana.
A espessura destes sedimentos está calculada em cerca de 180 m (AUDLEY-CHARLES, 1962) e a sua escassa representação derivou provavelmente de se terem depositado na altura em que Timor sofreu as enormes convulses tectónicas que culminaram com o avanço do manto de carreamento.
7.1.8. Rochas eruptivas de Barique
Ate há pouco, a maioria das rochas eruptivas conhecidas em Timor, com excepção do grande afloramento quaternário do canto nordeste do território de Ocússi, eram incluídas no Sistema carreado e atribuía-se-lhes idade muito antiga. Foi FREYTAG (1959) quem, pela primeira vez, tentou separá-las, definindo uma nova formação, sob o nome «The Barique Volcanics».
O autor baseou-se na descoberta de um conglomerado vulcâ¬nico, encontrado próximo de Barique, na base de um afloramento eruptivo e assente normalmente sobre o Triásico. Entre os ele¬mentos constituintes daquele conglomerado (diorito, anfibolito, calcário cristalino, etc.) encontrou um calcário muito fossilífero, com Alveolina timorense, Numulitidae e Discyciina, formas comuns no Eocénico de Timor. Deste modo, o citado afloramento eruptivo foi atribuído ao Terciário, colocando-se, possivelmente, no Oligocénico, em virtude de, noutros locais onde afloram rochas semelhantes, elas estarem cobertas por Calcários de fato, supostos do Miocénico inferior. Tal generalização é, porém, muito falível, pelo simples motivo de se não terem encontrado mais conglomerados fossilíferos ou quaisquer outros, elementos que pudessem confirmar aquela idade.
Os tipos litológicos mais comuns na formação de Barique pa¬rece pertencem a tipos intermédios e básicos, aos quais se associam tufos, brechas vulcânicas e conglomerados. Pelo espaço que as ro¬chas eruptivas de Barique ocupam no Timor português, denunciam ter havido na ilha grande actividade vulcânica durante o Cenozóico. Tal vulcanismo pode estar relacionado com as primeiras grandes emissões de lava que estão na origem da formação do Arco interno de Sonda. Um estudo petrográfico comparativo poder-nos-á, talvez, esclarecer sobre este ponto
As manchas mais importantes ocupadas por estas rochas situam-se na parte ocidental de Ocússi (montanhas de Nítibe e Mano Leo), a sul dos montes de Taroman, a norte de Same e nas regiões de Barique, Ossú e Quelicai. Nesta última localidade vê-se bem a metamorfização dos calcários do Triásico por acção delas (junto do posto administrativo), e um pouco a leste, num vale, preenchido, em grande parte, por argilas miocénicas, parece ter havido um cen¬tro importante de erupções, assinalado ainda por espigões rochosos constituídos por lavas empilhadas e brechas vulcânicas; a cobrir o topo e um flanco de um destes espigões, fomos encontrar um pe¬queno retalho do Triásico, com impressões de Halobia, muito do¬brado e aparentemente isolado dentro da mancha eruptiva.
A espessura das rochas eruptivas de Barique parece não ultra¬passar 300 m (FREYTAG, 1959).
7.1.9. Calcários de fato
Os Calcários de fato são, entre as formações geológicas conhe¬cidas em Timor, uma das mais importantes e curiosas, não só pelo aspecto Morfológico que tomam, como pelos inúmeros problemas que encerram. O nome vem-lhes da circunstância de formarem sempre fortes acidentes rochosos que, no principal dialecto timo¬rense, se designam por fato (rocha ou grande montanha). São mon¬tanhas calcárias, de paredes quase sempre abruptas, que se desta¬cam na paisagem e a dominam por completo. Sobem a altitudes que podem ultrapassar 2300 m, contrastando o seu aspecto, forte¬mente enrugado, com as encostas muito mais suaves dos terrenos circunvizinhos.
É na região de Ossú-Baguia, ou, centro-oriental, que os Calcá¬rios de fato existem com maior frequência, formando um grupo numeroso — nas montanhas de Bibileu, Mundo Perdido (fig. 8), Ariana, Laretame (fig. 7), Builó e na serra de Mata Bia (fig. 6). Para ocidente, completamente isolados, destacam-se outros afloramen¬tos nas 'montanhas de Cablac, Loilaco e Taroman.
Se no aspecto morfológico todos os fatos aparentam certa seme¬lhança, no que diz respeito à constituição petrográfica ela não é tão homogénea como a primeira vista poderia supor-se. Tra-tando-se fundamentalmente de calcários, estes distribuem-se por muito variados tipos litológicos.
Na maior parte, esta formação compõe-se de calcários pelágicos de grão fino, calcários dolomíticos, calcários detríticos de fácies oolítica ou pseudo-oolítica, conglomerados e brechas calcárias. São também muito frequentes os fenómenos de chertização e dolomi¬tização, que afectam sobretudo os calcarenitos.
Embora no campo poucas vezes se observem pianos de estrati¬ficação, estes são bem reconhecíveis, mais ou menos em toda a formação, pela análise estereoscópica da fotografia aérea. As ban¬cadas têm, em geral, grande espessura e, em quase todos os aflora¬mentos inclinam preferentemente para nordeste ou para norte.
Os macrofósseis são muito pouco frequentes, incaracterísticos e representados principalmente por restos de moluscos, algas calcárias e corais. A microfauna é mais abundante, predominando Os foraminiferos, radiolários, briozoários e alguns artículos de crinóides.
AUDLEY-CHARLES (1961), apoiado na existência de Spiractypens sp., Eulepidina sp. e Ciyetoclypeus sp. (classificados por Belford, em 1960), admite que, se não no todo, pelo rnenos em grande parte, as Calcários de fato são do Miocénico inferior. A mesma idade havia sido proposta por FREYTAG (1959). Deve, porém, lembrar-se que autores como GRUNAU (1957) e GAGEONNET & LEMOIENE (1957, 1958) atribuem ao Cretácico e mesmo a idades mais antigas alguns das margas de fato . Basearam-se, por exemplo, no que acontece na serra de Mata Bia onde é comum encontrarem-se, a par de rochas com fauna miocénica, calcarenitos e brechas com muitos clastos de cal¬cário chertizado, contendo, as vezes, fósseis de Globotruncana. Em virtude desta aparente anomalia, aqueles autores admitiram a existência, na serra de Mata Bia, de estruturas imbricadas, contendo escamas do Cretácico. FREYTAG e AUDLEY-CHARLES aventam, porém, a hipótese de estes foraminiferos estarem incluídos em elementos clásticos, alóctones, derivados da erosão do Cretácico. O problema mantém-se por esclarecer.
Na base dos fatos, a par de outras formações de idade antiga, encontram-se, a cada passo, rochas eruptivas que, conforme se disse, se presume sejam do Oligocénico. Por outro lado, são recobertos, em muitos lugares da periferia, pelo Complexo argiloso (figs. 7 e 8) que, como veremos a seguir, é atribuído ao Miocénico superior.
Uma das características notáveis dos Calcários de fato é consti¬tuída pelas inúmeras fracturas, que os recortam, sob várias direcções, a interceptar também as formações subjacentes, provocando, por vezes, o afundamento de grandes sectores. É o caso, Por exemplo, da enorme escarpa, quase vertical, mostrando ainda belos espelhos estriados (fig. 10), que limita pelo noroeste a serra; de Mata Bia, numa extensão de 19 km e põe os calcários em contacto lateral com o substrato eruptivo. Movimentos tectónicos semelhantes obser¬vam-se, também, nas montanhas de Builó, Laretame e Ariana.
As fracturas que recortam os fatos estão normalmente acom¬panhadas de largas zonas milonitizadas, assim como deformam e complicam toda a série sedimentar, tornando em extremo difícil o estudo da mesma.
No prolongamento da serra de Mata Bia para Uato Carbau e no Mundo Perdido observámos alguns aspectos a que atribuímos grande importância, visto poderem ajudar a esclarecer a génese desta formação. Com a erosão progressiva dos calcários começam a aflorar, nos flancos da montanha e em alguns cumes, as formações do substrato, o qual mostra formas de relevo agressivo e jovem, dando a impressão de ter sido fossilizado pela deposição dos calcá¬rios. Há grandes zonas só com delgada cobertura calcária, sobres¬saindo aqui e acolá retalhos ainda espessos, isolados, que a erosão demorou mais a remover. Contudo, no conjunto, os Calcários de fato tiveram espessura enorme, da ordem de 1000 m, em parte ainda patente em algumas escarpas e na parte superior de algumas mon¬tanhas.
Por outro lado, junto do contacto com as formações inferiores, desde que não haja esmigalhamento devido a alguma falha próxima, não observámos nunca superfícies de deslizamento ou laminagem das rochas, pelo que a sedimentação dos calcários aparenta ter-se processado normalmente sobre as mesmas formações que hoje lhes servem de substrato. Com efeito, a formação parece iniciar-se sem¬pre por conglomerados que incluem elementos do próprio substrato, eruptivos, inclusive, ou representantes das formações mesozóicas, nomeadamente do Cretácico.
Deste modo, não vemos razões para pensar, como fizeram a maioria dos autores antigos, que os Calcários de fato tenham sido deslocados, por fenómenos de carreamento, para os locais onde hoje se encontram. A existência, dentro desta formação, de estruturas imbricadas e invertidas de idade mais antiga, apontadas por GRUNAU (1957) na serra de Mata Bia, não foi suficientemente confirmada. E as pretensas zonas tectonizadas e brechas observadas algumas ve¬zes junto a base, invocadas, também, como argumento forte em fa¬vor do carreamento, não passam, a nosso ver, de manifestações lo¬cais da tectonização activa sofrida pela formação.
Devido a presença de rochas dolomíticas e de corais, embora estes sejam raros, inclinámo-nos antes a que os Calcários de fato correspondam a antigas zonas onde se desenvolveram recifes de coral espessos, os quais tomariam como suporte alguns relevos sub-marinos (nessa altura, Timor estava, pelo menos na maior parte, imersa). Dai, possivelmente, a razão por que hoje ocorre em proemi¬nências, mais ou menos distanciadas umas das outras, parecendo coroar e fossilizar relevos antigos.
Muito se tem escrito e conjecturado sobre os Calcários de fato, mas, na verdade, nunca foi feita a cartografia minuciosa desta for¬mação, nem tão-pouco se estudaram suficientemente as rochas suas constituintes, os fosseis ou a tectónica que lhe é peculiar. E esses estudos são dos mais urgentes, não só pelo interesse científico que despertam, como pela forma como os Calcários de fato devem estar implicados na evolução geológico-estrutural do Terciário de Timor.
7.1.10. Complexo argiloso
No território de Ocússi, nas regiões de Balibo-Atabai, na grande mancha de Bobonaro, em faixas ao longo da costa sul e cobrindo largas áreas da metade oriental do Timor português, existe uma formação essencialmente constituída por argilas de cores variadas, mal consolidadas, incluindo, numa mistura extremamente heterogé¬nea, grande quantidade de blocos e fragmentos angulosos a sub-angulosos de rochas de diversa natureza e proveniência. Designamo-la por Complexo argiloso (LEME & COELHO, 1962).
De espessura muito variada, desde delgada película a muitas centenas de metros, esta formação está, em geral, a preencher as bacias situadas entre os grandes relevos e assenta, sempre em dis¬cordância, sobre terrenos mais antigos. É sobretudo na proximidade dos Calcários de fato do grupo de Ossú-Baguia e na costa sul que se apresenta com maior desenvolvimento e espessura. Em Ossu¬lari, pequena localidade a sueste da vila de Viqueque, foi exe¬cutada, em tempos, uma sondagem para prospecção de petróleo que atravessou sempre esta formação até 1740 m de profundidade. Em outros locais, a ocidente, julga-se que possa atingir ainda maio¬res espessuras, da ordem de 2000 m ou mais. E, caso curioso, em todas as sondagens executadas mantém-se sempre a mesma mistura desordenada argilo-detrítica ao longo dos perfis, deparando-se, ra¬ramente, com leitos finos de argila de estratificação aparentemente normal (AUDLEY-CHARLES, 1961).
Os elementos incluídos nestas argilas, alguns de consideráveis dimensões, pertencem a todas as formações geológicas que existem em Timor, desde as mais antigas até o Miocénico inferior. Encon¬tram-se, pois, fragmentos de xistos metamórficos, calcários de crinóides do Pérmico carreado, grés, xistos argilosos e calcários da série autóctone permo-jurássica, rochas chérticas e calco-siliciosas do Cretácico, calcários com foraminiferos do Eocénico, rochas eruptivas diversas e calcários dos maciços de fato (elementos destes úl¬timos são os menos frequentes). Se, por vezes, em certas zonas, há predominância de rochas de uma só destas formações, o comum é encontrar-se mistura indiscriminada de vários tipos.
Supomos dever-se a Escher (1947) a primeira caracterização destes terrenos os quais designou por «Block Clay». FREYTAG e, mais recentemente, AUDLEY-CHARLES retomaram o estudo dos ter¬renos em questão, tendo conseguido definir-lhes, com mais precisão a idade.
Na coluna estratigráfica, o Complexo argiloso deverá interca¬lar-se entre os Calcários de fato, do Miocénico inferior, que reco¬bre, e a série pliocénica de Viqueque, colocando-se assim na segunda metade do Miocénico.
A fauna que contém é abundante mas incaracterística por ser, na grande maioria, derivada de sedimentos mais antigos. Con¬tudo, foram feitas pesquisas de microfósseis na matriz argilosa e nos raros leitos interestratificados de argila e, segundo Belford, ci¬tado por AUDLEY-CHARLES, encontraram-se bastantes formas de foraminiferos que confirmam a idade proposta. Citam-se aqui, apenas, as espécies classificadas que tiveram inicio no Miocénico supe¬rior, ou seja pós-Calcários de fato:
Eponides umbonatus (Reuss)
Sphaeroidinella dehiscens (Parker & Jones)
Globigerinoides rubra (d'Orbigny)
Pulleniatina obliquiloculata (Parker & Jones)
Bulimina oculata (d'Orbigny) Astrononium sp.
Sphaeroidina bulloides (d'Orbigny)
Perante a tamanha desordem que caracteriza o Complexo argi¬loso, a sua enorme espessura e a sua larga distribuição, surge uma pergunta: como se formou?
Transcrevemos o que a tal respeito diz Audley-Charles:
«... the block clay is not a normal sediment. It was 'emplaced' not deposited in its present position. The mechanism of emplacement was probably the accumulation of plastic water saturated clay on an unstable submarine 'platform' which agitated by orogenic movements, volca¬nic explosion, or simple gravity action on an unstable mass slide off into deep water, removing all resistant rocks in its path. Blocks of over one quarter of a: mile in length have been reported, and the writer has seen many of several hundred feet ... » (AUDLEY-CHARLES, 1961.)
Não nós achamos habilitados a avaliar em que medida um mecanismo desta natureza poderá, só por si, originar tão extraordinária acumulação de materiais, num período de tempo bastante limitado. Porém, quer-nos parecer a hipótese bastante lógica, sobretudo se tomarmos em conta a existência de ben¬tonites na matriz argilosa do complexo, assinaladas por aquele autor, e de grande quantidade de rochas eruptivas nele incluídas. Re¬corde-se que, por esta altura, deviam estar em plena actividade as centenas de vulcões que originaram o arco interno de Sonda, erupções que terão sido acompanhadas, em toda a região da actual Indonésia por intensos abalos sísmicos.
Através de sondagens de prospecção localizaram-se, no inte¬rior do Complexo argiloso, pequenas bolsadas de petróleo, devendo estar relacionados com estas os conhecidos vulcões de lama de Timor, fenómenos de que trataremos adiante.
Do ponto de vista agrícola e florestal, os solos do complexo são dos mais pobres e degradados de Timor; a vegetação é escassa, do tipo savana, representada sobretudo por casuarinas. Devido à na¬tureza mal consolidada e ao forte teor argiloso da formação, a ero¬são, na época das chuvas, sobretudo nas regiões mais acidentadas e desprotegidas de vegetação, não só decapita os solos como, com enorme facilidade, cava fundas ravinas e provoca grandes escorre¬gamentos, arrastando consigo casas e estradas, derrubando árvores e destruindo hortas. Na região de Bobonaro este fenómeno chega a atingir aspectos verdadeiramente catastróficos. Pode quase di¬zer-se que a erosão acelerada é uma característica permanente das áreas onde aflora o Complexo argiloso. Esta erosão é agravada ainda pelo sobrepastoreio e regimes de cultivo praticados pelos nativos. Vem a propósito citar que o nome de «terras podres» (rai-dodoc) é aplicado, realmente com imensa propriedade, pelos Timorenses, a este tipo de terrenos.
7.1.11. Série de Viqueque
Definida por Grunau, em 1953, esta formação constitui uma série sedimentar transgressiva, iniciada por conglomerados e arenitos que, gradualmente, passam a rochas de fácies de mar medianamente pro¬fundo, com abundante deposição de margas e calcários margosos. Está bastante bem representada em Timor, sobretudo na «bacia central» do Timor indonésio (BROWER, 1940/42) e em importantes áreas do sul da ilha, nomeadamente em Viqueque, donde tomou o nome. Uma característica desta formação é a grande variabilidade de fácies.
O recente traçado da estrada entre Luca e Lacluta pôs em expo¬sição cortes esplêndidos da parte inferior da série. Aos conglome¬rados de base, que neste local assentam sobre o Complexo argiloso, sucedem, em alternância, leitos de arenitos grosseiros e de margas; à medida que se sobe na série, os arenitos tendem a desaparecer, em virtude do avanço da transgressão, e dão lugar a depósitos margosos espessos. Estes podem observar-se bem em Viqueque, ao longo da ribeira de Cua, a qual secciona normalmente urna estrutura em anticlinal muito aberto, de eixo E-W. As rochas dispõem-se aqui em bancadas de grande espessura (fig. 11), de margas cinzentas, com pequenos gastrópodes e foraminiferos, ou em leitos de calcário mar¬goso mais duros; as intercalações de areias ou grés tornaram-se finas e raras. No extremo oriental de Timor a formação termina por ma¬ciços de margas e de cré friável, brancos, aparentemente sem estratificação; contem abundância notável de formas planctónicas, donde se conclui que o topo da Serie de Viqueque corresponde a sedimen¬tos depositados longe da costa. Pela distribuição, quase toda a me¬tade oriental do Timor português, bem como toda a orla sul, deve¬ria, estar, por esta altura, imersa.
Provenientes da Série de Viqueque foram classificadas por vários investigadores, ao todo, 234 formas diferentes de foraminiferos, distribuídos por 64 géneros e por 23 famílias (I. Crespin, 1956, D. J. Belford, 1960/61 e Loyd, 1962, citados por AUDLEY-CHARLES, 1962; ROCHA & UBALDO, 1961 e 1964). As famílias melhor representadas são:
Lagenidae, Buliminidae, Globigerinidae e Discorbidae.
Segundo ROCHA & UBALDO, a microfauna da Série de Viqueque, do ponto de vista qualitativo, é predominantemente bentónica; no entanto, no que se refere a quantidade, é a planctónica que domina. No conjunto, é também de salientar a grande riqueza qualitativa em contraste com o pequeno número de indivíduos que represen¬tam a major parte das espécies, o que aliás é típico das faunas de águas quentes.
A abundância de Pulleniatina obliquiloculata (Parker & Jones) leva a admitir ser o Miocénico superior o limite inferior destes sedi¬mentos (vimos que esta forma se encontra já presente no Complexo argiloso). A série deverá ser, porém, na maior parte, pliocénica, se se considerar a microfauna em conjunto, podendo o nível mais ele¬vado atingir ainda o Plistocénico (Roam & UBALDO, 1964).
A espessura desta formação está calculada em 500 a 600 m, seguindo-se-lhe os recifes de coral . A transição entre as duas formações, nuns sítios é insensível, noutros parece haver pequena descontinuidade. Na mancha imediatamente a norte da montanha do Mundo Perdido a transição é feita através de uma sucessão, relativamente espessa, de leitos de arenitos com alguns corais, mas cuja microfauna é ainda característica da Série de Viqueque (AUDLEY-CHARLES, 1926). Estes sedimentos, em rigor, correspondem ao topo da série.
Em Ocússi, as rochas da Série de Viqueque foram muito dobra¬das e em parte metamorfizadas pelas rochas do maciço eruptivo, quaternário, do canto nordeste deste território e pelo grande dique de Noe Nito, adjacente àquele maciço.
Com excepção do que se passa em Ocússi, o estilo tectónico da série, em contraste com o das formações mais antigas, é suave, notando-se grande regularidade no dobramento das camadas; as dobras, em geral, são de grande raio, dispondo-se quer em anticlinais, quer em sinclinais, muitas vezes afectados por falhas. Tais movimentos devem corresponder à fase valáquia, contemporânea da última sobreelevação de Timor.
7.1.12. Rochas eruptivas pós-pliocénicas
No canto nordeste de Ocússi e, mais para leste, em outros peque¬nos afloramentos do litoral norte, situados em território indonésio, parecem existir as únicas rochas eruptivas de idade quaternária da ilha de Timor.
Os afloramentos de Ocússi ocupam principalmente uma grande mancha, de relevo extremamente forte -- as chamadas Montanhas de Ocússi — eriçado de numerosos picos e recortado por vales pro¬fundos e apertados.
Constituem esta formação rochas basálticas vesiculares, com dis¬junção esferoidal frequente, e, por vezes, lavas em almofada. Dis¬põem-se em espessos mantos lávicos que parecem pender para nor¬deste. São reconhecíveis também alinhamentos tectónicos que con-dicionam a topografia e o curso de algumas linhas de água. Iden¬tificaram-se os seguintes tipos petrográficos: doleritos hipersténicos, doleritos com enstatite e quartzo e basaltos vesiculares toleíticos, com enstatite ou augite (LEME & COELHO, 1962)Constituído por rochas da mesma família das deste maciço, do qual é adjacente, prolonga-se para noroeste um dique de grande espessura e muito saliente, que pode observar-se numa extensão de 9 km, desde a garganta de Tono (ribeira Lifau) em direcção ao litoral, onde desaparece sob as aluviões costeiras. Situa-se ao longo do piano sagital de um apertado anticlinal da Serie de Viqueque, que cortou, separando-o em dois flancos, deixando-os praticamente ver¬ticais. Tal estrutura pode observar-se muito bem na garganta cavada pela ribeira de Noe Nito, no seu troço transversal ao dique.
Estas rochas eruptivas não só dobram como metamorfizam as formações sedimentares que com elas contactam (exceptuando as aluviões), como sejam o Complexo argiloso e a Série de Viqueque; por consequência, a idade é pós-pliocénica, possivelmente do Quaternário inferior. A petrografia parece ajustar-se, também, perfei¬tamente, com a de algumas ilhas do arco vulcânico de Sonda, no¬meadamente com a da ilha de Ataúro (LEME & PISSARRA, 1962).
7.1.13. Recifes de coral emersos
Desde os alvores do Quaternário que os corais proliferam abun¬dantemente nos mares da Indonésia.
Como é sabido, estes animais vivem em colónias, de esqueleto calcário comum, e desenvolvem-se sob condições ecológicas defini¬das: mares quentes, de águas bem oxigenadas e de salinidade rela¬tivamente alta e a pequena profundidade. Constroem os chamados bancos de recite, ou recifes-barreiras, espessas formações calcárias que se dispõem em franjas litorais a debruar ilhas ou continentes, como e o caso da «Great Barrier Reef, que acompanha a costa do nordeste da Austrália.
Se, por qualquer motivo, o solo se eleva em relação ao nível das águas, os corais morrem logo após a emersão do recite e este ficará como indicador de antiga linha de costa a 'formar um pata¬mar ou terraço. Prosseguindo os levantamentos e o crescimento simultâneo de novos níveis de recifes, outros terraços deste tipo se constituem.
Em regra, os terraços dispõem-se em plataformas sub-horizon¬tais, separadas entre si por ressaltos bruscos, que correspondem à muralha frontal dos bancos coralígenos ou a antigas arribas.
Em Timor, à semelhança do que acontece nas ilhas vizinhas, os corais não só proliferam ainda hoje activamente nas águas marginais, como aparecem fossilizados ao longo das vertentes costeiras, onde se escalonam a várias altitudes, desde o nível do mar. Vistos de perfil, tomam, por vezes, o aspecto de gigantesca esca¬daria, muito bem definida no horizonte.
É na metade oriental do Timor português que estas formações atingem maior desenvolvimento; ali se encontram também os níveis de recifes mais elevados, encastoados próximo do cimo da montanha de Laretame, a cerca de 1200 m, e outro na vertente norte da montanha do Mundo Perdido (fig. 8), a idêntica altitude . É, po¬rém, entre 300 e 500 m que os recifes de coral penetram mais profundamente no interior da ilha, originando extensos planaltos. Merecem particular menção os do planalto de Baucau, que ocupa uma área de cerca de 170 km2 (fig. 12), e os da chamada Ponta Leste (planaltos de Nari, Lospalos, Rére, etc.).
Estes últimos dispõem-se ligados entre si, formando um anel mais elevado a envolver uma bacia interior onde se instalaram as planícies de Fuiloro e Mehara (fig. 9). Não só para o lado do mar, mas também para o interior dessa grande bacia, desce-se através de uma sucessão mais ou menos contínua de terraços de recife. Este dispositivo reproduz, ainda hoje, a morfologia, quase diríamos per¬feita, de um antigo atol. A pequena lagoa de Surubeco, situada na parte central da bacia, não é mais do que o resíduo da primitiva laguna daquele atol.
Os recifes de coral aparentemente não se encontram nunca do¬brados, embora algumas fracturas os afectem, o que demonstra ter havido actividade tectónica muito recente.
Afora algumas intercalações de conglomerados (fig. 15) e de areias, mais frequentes perto do litoral, correspondentes a depósitos de praia ou a antigos leitos de rios, as rochas predominantes e mais ligadas com os próprios recifes de coral são calcários organogénicos brancos e branco-amarelados, cavernosos ou compactos, inteira¬mente constituídos por polipeiros, esqueletos de algas, conchas diversas e foraminiferos.
Devido a grande porosidade e fácil dissolução destas rochas pela água das chuvas, a erosão origina, frequentemente, aspectos de carso muito avançado. Este, a superfície, toma figuras finamente rendilhadas e buriladas, em parte também devido a acções eólicas; as cavidades mais fundas estão preenchidas por resíduo argiloso de cor vermelho-acastanhada, por vezes tão abundante que chega como que a fossilizar o próprio carso, permitindo a instalação de bons solos (LEME & GARCIA, 1964). São conhecidos, também, alguns cursos de água subterrâneos, pequenas dolinas e grutas.
O pequeno ilhéu Jaco é formado inteiramente por rochas coralígenas, constituindo, assim, verdadeira ilha de coral. Nele se destacam, também, vários níveis de terraço, embora mal definidos. O mais elevado desenvolve-se a 60-70 m de altitude. Apesar da quase impenetrável floresta que reveste este ilhéu, o solo é prati¬camente esquelético e o carso apresenta-se em estado avançadíssimo. Níveis elevados de recife atingem, frequentemente, a linha litoral, onde são cortados abruptamente, mostrando profundo escavamento da base devido ao ataque incessante das vagas. Algumas dessas arribas tomam, sobretudo na parte ocidental do ilhéu e mesmo na costa fronteira de Timor (Ponta Tutuno), aspectos de grande beleza (figs. 13 e 14).
7.1.14. Calcários lacustres de Pórus
Envolvendo as aluviões da lagoa de Surubeco e a preencher a periferia da bacia interior do antigo atol de Lospalos (fig. 9) existe uma formação, de fisiografia plana, constituída por leitos irregulares de calcário cinzento, muito margoso. Não só pela fácies e fauna pró¬prias, como pela posição topográfica que ocupam em relação aquela lagoa, estes depósitos devem ter-se formado em meio lagunar, decurso da emersão do atol.
Ao microscópio, estas rochas apresentam estruturas granulares, pseudo-oolíticas, com grandes vacúolos; disseminados na pasta calcária, muito obscurecida por argila, observam-se bastantes grãos angulosos de quartzo de pequeníssimas dimensões, além de numero¬sas secções de gastrópodes e de algas. A recristalização do calcário é um fenómeno comum, atingindo principalmente os pseudo-oolitos.
A lagoa de Surubeco, mesmo durante as maiores enchentes, parece já não chegar a cobrir a área total abrangida pelos aflora¬mentos de calcário lacustre. Nas zonas da periferia, ligeiramente mais elevadas e, por vezes, com densa vegetação, o solo foi em grande parte removido e a rocha aparece a descoberto, muito endu¬recida, menos argilosa e fortemente carsificada, a ponto de facilmente se confundir com as rochas coralígenas vizinhas.
Os calcários lacustres não contêm, normalmente, corais nem foraminiferos; incluem formas de gastrópodes semelhantes aos que actualmente vivem na lagoa e cujas conchas ficam a juncar o chão após o recuo das águas, na época seca.
Foi junto da povoação de Pórus que identificámos pela primeira vez esta formação (LEME, 1962), Antes, estas rochas, eram tidas como calcários coralígenos.
7.1.15. Terraços fluviais
Consequência, talvez, do regime torrencial dos cursos de água, sempre com regimes caudalosos ao descerem da montanha, pode dizer-se que os terraços fluviais não são comuns no interior de Ti¬mor; no entanto, os que existem atingem tal importância que mere¬cem referência especial.
Os mais notáveis, pela beleza e espessura, são os terraços da ribeira Sumassi, que se estendem, quase contínuos, por dezenas de quilómetros, desde Laclúbar a Cribas. Em Laclúbar, o nível mais elevado, situado a 1000 m de altitude, ao fechar-se contra as monta¬nhas, toma o aspecto de fundo de saco, muito largo e plano, apre¬sentando pendor apreciável para jusante; depois, novos terraços vêm acompanhando as margens daquela ribeira, que os corta e escava, perpendicularmente, em quase todo o percurso. Em Cribas, a sua es¬pessura ultrapassa 60 m (fig. 16). São constituídos, quase inteira¬mente, por fragmentos de xistos diversos, angulosos, sub-angulosos, alguns arredondados, ora revelando estratificação nítida, por vezes entrecruzada, ora sem estratificação alguma. Estes terraços foram pela primeira vez citados por HIRSCII (1907).
Outros depósitos de terraço, de grande espessura e de consti¬tuição semelhante a estes, são os da ribeira Railaco, a sudoeste de Dili, assim como os da ribeira Sue e seu afluente Carau Ulo, na re¬gião de Same.
A grande plataforma onde se instalou a vila de Ainaro parece corresponder a antigos depósitos de delta, situados a altitudes entre 750 e 800 m. Formam, também, um, enorme terraço instalado no sopé do maciço do Ramelau, flectido suavemente para sul.
A estrada de Díli para Aileu, ao chegar a esta vila, atravessa outro terraço, bastante espesso e também muito sobreelevado em relação ao leito da ribeira Sarim, com a qual deve estar relacionado. Está também elevadíssimo em relação ao nível actual do mar, ultra¬passando a altitude de 900 m. A sedimentação está bem marcada e constituída por fragmentos, mais ou menos rolados, de xistos meta¬mórficos e de quartzo, envolvidos por abundante material fino, avermelhado e facilmente removível, resultante da meteorização dos xistos da região.
A grande planície de Maliana esta relacionada com depósitos cascalhentos, de elementos em geral muito bem rolados, alguns de grandes dimensões, e com depósitos finos e argilas. Encravada entre fortes montanhas, é limitada a ocidente pela ribeira Be Bai e a oriente pela Bubolo, ambas afluentes da grande ribeira Lois. Esta planície está levantada em relação ao nível do mar, atingindo 250 m no extremo sul; inclina suavemente para nor-noroeste. Pela sua configuração, a região deve corresponder a um antigo golfo, cuja comunicação com o mar se faria pela actual foz da ribeira Lois.
Nalgumas regiões do litoral norte, nomeadamente em Manatuto, Laleia, Laga e Lautém, observam-se também alguns terraços, possivelmente de origem fluvio-marinha, marcados por plataformas regulares, inteiramente constituídos por cascalheira bem rolada, so¬bre a qual, por vezes, se instalam recifes de coral.
A idade dos níveis de terraço mais elevados que se encontram em Timor deverá, pela altitude que atingem, remontar aos princípios do Quaternário, tendo-se desenvolvido, no tempo, provavel¬mente a par dos recifes de coral. À semelhança desta ultima formação, constituem mais um testemunho, igualmente claro, da recente e rápida sobreelevação sofrida por Timor; demonstram, também, pela espessura, actividade erosiva forte e bastante antiga.
7.1.16. Aluviões recentes
Devidos às condições climáticas a que a ilha de Timor esta su¬jeita, a própria topografia agressiva e a natureza do subsolo, Os depósitos aluviais apresentam, em geral, grande desenvolvimento, em particular no troço terminal dos cursos de água e na orla ma¬rítima.
É principalmente no litoral sul que as aluviões tomam maior representação, quer em profundidade, quer em extensão. Na costa norte são menos espessas e ocupam uma planície irregular, quase ausente e estreita para ocidente de Manatuto. A elevada altitude existem também grandes extensões aluviais nas planícies de Fuiloro e Mehara, ambas directamente relacionadas com a lagoa de Suru¬beco, assim como na bacia de Gleno, situada a norte de Ermera, e em volta da pequena lagoa de Seloi, situada a noroeste de Aileu, as duas últimas em plena zona metamórfica.
Por sondagens de prospecção efectuadas em vários locais da costa sul verificou-se que, aqui, as aluviões são muito espessas, supondo-se que chegam a atingir a profundidade de 600 m (AUDLEY¬-CHARLES, 1961); mostram ainda grande desenvolvimento na direcção do interior, acompanhando o curso das ribeiras.
Estes últimos factos põem um problema. Em capítulo anterior, ao falar dos recifes de coral, dissemos que esta formação, pelas próprias características e pela disposição que ocupa em Timor, constitui o mais claro testemunho do movimento de sobreelevação que esta ilha vem sofrendo desde os primeiros tempos do Quater¬nário; admitimos, ainda, que tal emersão prossegue nos nossos dias, porque é frequente encontrar-se, junto do mar, transição con¬tínua dos recifes vivos aos primeiros recifes mortos, já emersos. Isto sucede, na realidade, na costa norte, mas outro tanto não pa¬rece verificar-se na costa sul. Aqui, os primeiros níveis recifais estão hoje muito distanciados do mar (com excepção do extremo leste) separados deste, como vimos, por fundíssimas aluviões. Deste modo, completamos a observação anteriormente expressa dizendo que a ilha de Timor, após um movimento ascensional de grande ampli¬tude, estará na actualidade sofrendo outro movimento, talvez adicio¬nal daquele, de báscula, com imersão da zona sul e emersão da zona norte.
Corroborando esta hipótese e segundo informação verbal do Eng.° Ruy Cinatti, em alguns locais da costa sul, particularmente a oeste de Suai, há sinais actuais e evidentes do avanço progressivo do mar para o interior da ilha: junto à actual linha litoral o mar está destruindo urna floresta cujo habitat é típico de regiões mais in¬ternas.
7.2. Sistema Carreado
As rochas mais recentes sobre as quais se vê assentar o manto de carreamento são de idade jurássica. Assim, por exemplo, o maciço do Ramelau, que corresponde a série pérmica de Maubisse, bate de encontro ao flanco noroeste do grande anticlinal Triásico-Jurássico de Ainaro, sobrepondo-se a ele; os maciços pérmicos de Aileu e de Legumau assentam, também, sobre sedimentos muito dobrados do Mesozóico.
O manto de carreamento, embora não se tivesse visto ainda repousar directamente sobre o Cretácico, é-lhe, certamente, poste¬rior, porque, em pleno centro da mancha do Legumau, onde um vale fundo pôs a descoberto o substrato Triásico, fomos encontrar brechas da superfície de carreamento, incluindo elementos de rochas cretácicas. Por outro lado, a formação neo-autóctone mais antiga que se vê sobrepor ao manto é o Complexo argiloso.
Deste modo, a instalação do manto de carreamento processou-se entre o Cretácico e o Miocénico superior (Ests. xv e xvi).
Infelizmente, não se conhecem, por falta de contactos, quais as verdadeiras relações estratigráficas entre o Pérmico carreado e as formações do Eocénico, Oligocénico e Miocénico inferior. Admite-se, contudo, que foi no fim do Cretácico e (ou) na primeira metade do Eocénico que, com a orogenia Larâmida, teve lugar importante fase tectónica, compressiva, que deformou e fracturou intensamente toda a série mesozóica. Só após ela, em plena oroge¬nia Pirenaica, terá surgido o manto de carreamento, ou seja, no fim ou durante o Eocénico (AUDLEY-CHARLES, 1962).
Se esta hipótese vier a confirmar-se, a formação eocénica de Dartolú é imediatamente anterior ou contemporânea dos carreamentos, ficando assim explicada a sua escassa representação em Timor e o seu forte dobramento.
O complexo carreado subdivide-se numa série inferior meta¬mórfica, ou de Díli, e numa série superior eruptivo-sedimentar, ou de Maubisse, cuja descrição sucinta passamos a fazer.
7.2.1. Série metamórfica de Díli
Esta série ocupa grande superfície, no noroeste da província, compreendida, grosso modo, entre os vales das ribeiras de Lois e de Lacló do Norte, a cordilheira do Ramelau e o litoral norte. Em provável ligação inferior com a mesma mancha existem outros aflo¬ramentos na região de Babiló-Atabai.
É uma formação, certamente muito espessa, constituída por rochas cristalinas, em que o grau de metamorfismo decresce sensi¬velmente de norte para sul. Com efeito, na faixa litoral diferencia-se uma zona em que as rochas se apresentam muitíssimo dobra¬das, com domínio dos filádios (fig. 17) e gnaisses (fig. 18), micaxistos biotíticos, xistos anfibólicos e outros tipos litológicos afins. Estas rochas são atravessadas por numerosos veios e filões de quartzo e, de onde em onde, junto à costa, existem intrusões de sienitos al¬calinos e andesíticos e de dioritos (ASSUNÇÃO, 1956), nomeadamente nas localidades de Tibar, Díli, Ponta Fato Cama e Subão Grande.
A região do Subão Grande mostra tal complexidade que me¬rece ser referida; a par de rochas intensamente deformadas regis¬tam-se anfibolitos negros, muito duros e dobrados, peridotitos ver¬des, monzonitos labradóricos (ASSUNÇÃO, 1956), mármores cipolinos (NEIVA, 1955) e serpentinitos, estes últimos atravessados por mui¬tos veios de diópsido e com mineralizações importantes de crómio. Intercalado em peridotitos, numa zona de fractura, fomos encontrar (ao km 18 da estrada marginal que liga Manatuto a Díli) um pequeno filão de granodiorito, biotítico, ocorrência esta que se reveste de grande interesse por ser a única rocha granitóide encontrada até hoje no Timor português (LEME & COELHO, 1962).
À medida que se avança para o interior da grande mancha de Díli, as rochas denunciam cada vez dobramento menos intenso e começam a predominar xistos cloríticos e sericíticos e xistos argilo-gresosos micáceos.
Nunca se efectuou o estudo petrográfico sistemático desta série metamórfica, trabalho esse que se impõe, não só pela variedade notável de tipos litológicos, como para se definirem as zonas de metamorfismo e interpretar a estrutura e génese da formação.
Até há pouco, nada se sabia sobre a idade da série de Díli, em¬bora alguns autores suspeitassem que pudesse ser do Pérmico infe¬rior ou mais antiga ainda. Foi na região de Aileu, numa pedreira de xisto argilo-gresoso, à beira da estrada de Aileu-Maubisse, pouco antes de se atravessar a ribeira Sarim, que descobrimos os primeiros sedimentos com fósseis. Estes, apesar de mal, conservados, permiti¬ram a identificação, ainda sob reserva, da forma Atomodesma bisulcata Dickins , fóssil indicador, segundo Dickins, do Pérmico infe¬rior. Como os xistos cristalinos parecem inclinar preferentemente para norte, é possível que toda ou grande parte da Série de Díli esteja compreendida, ou tenha tido inicio nessa idade. Porém, só a pesquisa de mais fôsseis, em outros locais a norte, o poderá confir¬mar ou não.
Sobre a idade do metamorfismo que atingiu os xistos de Díli, não há, elementos seguros a que se possa recorrer para a determi¬nar. Necessariamente não será muito antigo e pode perfeitamente ter sido provocado pela proximidade do Arco interno. E precisa¬mente na costa norte, como vimos, que, esse metamorfismo toma graus mais elevados.
Também nada sabemos sobre a idade das intrusões eruptivas atrás assinaladas. Parece sintomático o facto de elas se localiza¬rem na orla litoral forte; a maioria corta e deforma os xistos, como, por exemplo, próximo de Díli, na Ponta Fato Cama, onde supomos existir antiga chaminé vulcânica. É possível que pelo menos algumas destas rochas, sejam contemporâneas do arco vulcânico. Um estudo petrográfico comparativo, cremos, poderá escla¬recer o assunto.
A mancha metamórfica de Díli contacta a oriente, par falha (falha de Manatuto), com o Mesozóico autóctone, o qual, no vale da ribeira Libânia (afluente da Lacló do Norte), aparenta continuar-se para baixo do manto metamórfico. A sudeste contacta brus¬camente com o grande patamar ou horst de Diatuto-Manufai (Formação da Lolotoi) e a su-sudeste faz transição para a Série de Maubisse. A ocidente desaparece por baixo do Complexo argiloso e das aluviões da ribeira de Lois.
7.2.2. Série de Maubisse
GAGEONNET & LEMOINE (1958) subdividem esta formação em três termos, ou secções, assim constituídas:
- Na base, potente serie, relativamente pouco defor¬mada, com pelo menos 1000 m de espessura, formada por xistos argilosos cinzentos a negros e xistos greso-micáceos; estes tomam frequentemente cor avermelhada devido à alte¬ração dos minerais ferrosos. Contém raras impressões de lamelibranquios que lembram formas presentes na parte inferior do Pérmico superior de Cribas.
- Segue-se uma formação com 200 a 400 m de espes¬sura, constituída por mantos lávicos, tufos e brechas erup¬tivas (fig. 19), em alternância com calcários de crinóides (fig. 20), rosados, com abundante fauna característica do Pérmico superior . Estes calcários dispõem-se em bancadas muito espessas, vigorosamente dobradas.
- O topo é exclusivamente constituído por lavas bá¬sicas, patentes no pico de Tata Mai Lau (maciço de Rame¬lau), onde atingem desenvolvimento da ordem de 500 m.
Não se observa limite nítido entre cada uma destas secções, assim como é imprecisa ou puramente teórica a linha que, a norte de Ramelau, separa a parte inferior da Série de Maubisse da Série de Díli. Esse limite exprime, fundamentalmente, variação de fá¬cies, que aparenta ser lenta e gradual entre os últimos xistos greso-micáceos de Díli, ainda com sinais de metamorfismo, e os xistos argilosos cinzentos de base da Série de Maubisse.
GAGEONNET & LEMOINE (1958) admitem, também, que Série de Díli é o equivalente lateral, metamórfico, da Série de Maubisse, tendo aquela, por carreamento independente, vindo a sobrepor-se a esta.
A fauna agora encontrada nos xistos de Díli (região de Aileu), que indica para estes provável idade pérmica inferior, assim como a posição, não só topográfica, como estratigráfica, aparentemente superior, que ocupa, a nosso ver, a Série de Maubisse em relação à de Díli, invalida aquela hipótese. Inclinamo-nos antes a que ambas as formações formem uma série sedimentar contínua, sem dúvida de espessura enorme, praticamente incalculável devido ao forte enrugamento a que foi sujeita.
A Série de Maubisse esta sobretudo bem desenvolvida nas mon¬tanhas do centro do território, imediatamente a sul dos xistos de Díli, ou seja na grande mancha de Maubisse-Ramelau. Só nesta região aparece representada pelos seus três termos.
O termo médio aparece sob a forma de testemunhos ou klippen em várias outras localidades, nomeadamente a sudoeste de Bailio, na montanha Oileu e, no leste, nas montanhas de Legumau e a sul de Vemasse existem também alguns picos isolados, os montes Virac, constituídos por rochas básicas muito alteradas (com mineralizações de cobre nativo) também consideradas como pérmicas.
Não só a mancha de Maubisse-Ramelau, como quase todos os outros afloramentos desta série, assentam, como dissemos, discor¬dantemente, sobre o Mesozóico autóctone. Esta posição anormal de enormes massas do Pérmico sobre formações mais recentes prova, de forma iniludível, a origem carreada. Alias, nunca nenhum autor o pôs em dúvida.
Depois de tudo quanto atrás foi dito parece licito pensar que esta série foi carreada conjuntamente com a Serie metamórfica de Díli, talvez durante uma só fase tectónica; tudo indica, ainda, pela dis¬posição que ambas ocupam em Timor, que o manto caminhou, de norte ou noroeste. Qual teria sido o ponto de origem, não é fácil sabe-lo.
Na opinião de Gageonnet e Lemoine, autores que largamente se ocuparam do assunto, a gravidade e consequente disjunção com progressiva dispersão das massas em movimento, sobre um autóc¬tone essencialmente plástico, foi o processo que presidiu a instalação deste gigantesco manto de carreamento.
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